ESSÊNCIA E FORMA - WILLIAM CONTRAPONTO

 



Essência e Forma

William Contraponto


Do caos brotou a flor inteira, 

sem dono, sem moldura imposta, 

a vida é força verdadeira, 

que ri da lei que a reduz e encosta. 


No toque verde da paisagem, 

o ser se busca em cada tom, 

há grito mudo na passagem, 

de quem desperta e diz que é som. 


Ser é rasgar o véu do mundo, 

e não caber no que definem, 

é o gesto livre e mais profundo, 

dos que, ao ser, jamais se inclinem. 


A natureza é o verbo nu, 

que ensina o homem a existir, 

sem pretensão de ser tabu, 

nem medo algum de refletir. 


E quando o ser enfim se aceita, 

na diferença encontra abrigo, 

a vida é múltipla e perfeita,

porque o diverso é o próprio amigo. 


Mercadores de Fumaça - William Contraponto



Mercadores de Fumaça

William Contraponto


Mercadores de fumaça,

Nada é o que parece,

Mercadores de fumaça,

O vento logo esquece.


Vendem nuvem, vendem vento,

Prometem sol e trazem sombra,

Quem acredita perde tempo,

Mas a ilusão se desfaz na lombra.


Mercadores de fumaça,

Nada é o que parece,

Mercadores de fumaça,

O vento logo esquece.


Com palavras de ouro e espelho,

Sorriso ensaiado, mão leve,

Mas quem conhece o próprio conselho

Sabe que a máscara cedo ou tarde se deve.


Mercadores de fumaça,

Nada é o que parece,

Mercadores de fumaça,

O vento logo esquece.


Feira do vazio, da mentira,

Trocam o real por teatro e cor,

Mas quem se mantém e não se delira

Segue firme no rumo do que tem valor.


Mercadores de fumaça,

Nada é o que parece,

Mercadores de fumaça,

O vento logo esquece.


O Nada é a Raiz de Tudo - William Contraponto

 



O Nada é a Raiz de Tudo

William Contraponto


Do nada ergue-se o sopro mudo,

Que anuncia o ser em seu ensaio,

Na penumbra fria germina o estudo,

Do caos que molda o próprio raio.


Nenhum sentido nasce inteiro,

É do vazio que o verbo emana,

O nada é ventre verdadeiro,

Que dá à forma a dor humana.


A vida insiste em se inventar,

Mesmo onde o tempo se desfaz,

Há um sopro que tenta se afirmar,

Na ruína que o ser nos traz.


Do limite brota o pensamento,

Raiz que toca o incerto chão,

É no silêncio do tormento,

Que o tudo nasce da contradição.


E ao fim, quando o verbo se cala,

O nada reina, lúcido e mudo,

Pois toda existência se embala,

Na origem simples de um tudo.



Reflexo Desconexo - William Contraponto

 



Reflexo Desconexo

William Contraponto 


Não é por amor nem por favor,

É o medo que mantém.

Aparência moldada no pavor

De estar consigo e mais ninguém.


Rostos se dobram em disfarces,

Almas se calam no fundo.

Caminha-se em círculos e impasses,

Um vulto preso ao peso do mundo.


A verdade arde como chama,

Mas se esconde atrás da muralha.

O coração sabe o que reclama,

O corpo finge e logo falha.


Ser livre exige despir-se inteiro,

Aceitar a sombra que nos invade.

O medo é muro, frio carcereiro,

Que nega ao ser sua própria verdade.


E quando a máscara enfim cair,

Não restará nada além da essência.

Um ser cansado de fugir,

Sedento de paz, faminto de consciência.


Recordações: O Assessor do Deputado




Recordações:

O Assessor do Deputado 


Eu realmente não  sei o motivo de nunca ter contado para ninguém essa história que  vivi. Ela ficou resguardada durante 20 anos ou quase. Até agora. 

Pois  bem, sempre fui bastante participativo em assuntos da comunidade onde morava. Desde o início  da  adolescência (para ser mais específico). Havia  um debate na comunidade  sobre a emancipação dessa do restante do município e eu tinha proximidade com o presidente da comissão que pregava essa pauta. Numa dessas reuniões com a comunidade foi convidado o  deputado  federal  X, inclusive, já partido dessa vida (do também falecido PTB) que  veio prestar sua solidariedade ao pleito. E lá estava minha pessoa presente. 

O deputado veio assessorado por um daqueles que prestavam o mesmo  serviço em Brasília. 

Havia entre esse assessor e esse que escreve uma troca de olhares. Eu, sabia o que rolava, porém,  era muito inexperiente e amedrontado ainda no "armário". Tinha apenas 16 anos. Pois,  é: um "mucilon".

Aconteceu que em certo momento, o deputado precisava recarregar o celular e ninguém tinha um carregador disponível, então, alguém perguntou se eu tinha aquele tipo de carregador e a minha resposta foi afirmativa, porém teria que  buscar em casa. Logo, o assessor do deputado se dispôs a me levar em casa para pegar o tal carregador. Iríamos eu e ele somente. O mesmo dirigindo o carro do deputado. 

Tão logo embarcamos no carro ele disse seu nome (o qual não vou citar) e perguntou se eu gostava de meninos mais velhos ao tempo que  disse que tinha 21 anos. Fiquei meio sem jeito,  mas afirmei que sim. Era uma noite fria e meio chuvosa. Paramos em lugar com pouca iluminação. E ficamos. Por cerca de meia hora apenas, pois o deputado tinha outra agenda. Depois de ficarmos fomos na minha casa pegar o carregador para o deputado. E voltamos à reunião. 

Durante a reunião trocamos nossos  e-mails. 

No outro dia recebi uma mensagem do assessor me motivando a ir pra Brasília que ele conseguiria uma espécie de estágio no partido e eu poderia morar com ele. A ideia foi uma tentação,  mas obviamente não havia a mínima  condição de ser aceita devido ao fator da minha idade e também por desconfiar da intenção.

Nos correspondemos por um ano até que não mais. Passados 20 anos do acontecimento lembrei e resolvi contá-lo. 

Tais recordações também não são apenas sobre encontros, mas sobre o modo como nos reconhecemos no tempo. Na juventude, elas surgem como faíscas de desejo e incerteza; depois, se tornam testemunhos silenciosos daquilo que nos moldou. Ao revisitá-las, não é o passado que revive, mas a consciência presente que se amplia: percebemos que a vida não é feita de grandes certezas, e sim de instantes que nos empurram para fora do medo. Guardar foi uma forma de sobreviver; contar, hoje, é uma forma de existir.